COMENTÁRIOS AO EVANGELHO SOLENIDADE DE SÃO JOSÉ —19 DE MARÇO
GRANDEZA DE SÃO JOSÉ À LUZ DO
EVANGELHO
Nestes
breves versículos torna-se patente o quanto São José é pai legal de Nosso
Senhor, pois o santo Patriarca exerceu de fato esse encargo, a ponto de, no
Evangelho de São Lucas, Maria mencionar José como sendo pai de Jesus, ao
encontrá-Lo no Templo: “Eis que teu pai e Eu andávamos à tua procura, cheios de
aflição” (Lc 2, 48).
Com
efeito, o matrimônio realizado entre Nossa Senhora e São José foi inteiramente
válido, segundo a Lei. E como todo casamento, por ser um contrato bilateral,
dependia da anuência de ambos. E também uma verdade admitida por todos os
Padres e teólogos que tanto Maria como José estiveram vinculados a um voto de
virgindade. Decerto, Ela lhe terá comunicado esse propósito que fizera e ele o
aceitou, pois também terá feito o mesmo voto, pelo que os dois concordaram em
mantê-lo dentro do matrimônio. Portanto, Ela foi Virgem com o conhecimento e o
consentimento de seu esposo, ficando ligados de livre e espontânea vontade a
esse compromisso.
Como
sabemos, segundo a Lei antiga o varão tornava-se dono de sua esposa, de modo
que “a mulher israelita costumava chamar seu marido com os termos ba’al — ‘amo’
e ‘adôn — ‘senhor’, como faziam os escravos com seu dono e o súdito com seu
rei”.8 A partir do momento em que ambos se uniram, SãoJosé tornou-se senhor de
Maria e, em consequência, senhor de todo o fruto d’Ela. São Francisco de Sales
explica esta situação por meio de uma bela alegoria: “Se uma pomba [...] leva
em seu bico uma tâmara e a deixa cair num jardim, não diríamos que a palmeira
que vier a nascer pertence àquele de quem é o jardim? Ora, se isto é assim,
quem poderá duvidar que o Espírito Santo, tendo deixado cair essa divina
tâmara, como uma divina pomba, no jardim encerrado e fechado da Santíssima
Virgem (jardim selado e rodeado por todos os lados pelas cercas do santo voto de
virgindade e castidade toda imaculada), a qual pertencia ao glorioso São José,
como a mulher ou esposa pertence ao esposo, quem duvidará, digo, ou quem poderá
dizer que essa divina palmeira, cujos frutos alimentam para a imortalidade, não
pertence ao grande São José?”.9
Para a
Encarnação era indispensável Nossa Senhora conceber dentro das aparências de um
casamento humano, a fim de não criar uma situação incompreensível, que
dificultasse a missão do Messias. Logo, a gestação de Jesus no seio de Maria Santíssima
tinha em José o selo da legalidade, de forma a garantir que o Menino viesse ao
mundo em condições de normalidade familiar, a fim de operar a Redenção da
humanidade.
O “fiat” de São José
Esta prerrogativa
de São José, da paternidade legal do Menino, brilha ainda com maior fulgor
quando constatamos que, sendo seu o fruto de Maria, ele poderia ter recusado o
convite do Anjo no sonho, mas não o fez. Desse modo, paralelamente ao “Fiat!”
de Nossa Senhora em resposta a São Gabriel no momento da Anunciação, também ele
pronunciou outro fiat sublime, ao aceitar, pela fé, ser pai adotivo de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
Uma vez
que ele consentiu em manter o estado de virgindade e aceitou o mistério da
concepção do Menino Jesus em Maria, São José deve ser considerado, ademais, pai
virginal do Redentor, pois teve uma grande ligação com a Encarnação, embora
extrínseca. Ele foi necessário para que houvesse a união hipostática, e foi
vontade de Deus que também participasse desta ordem hipostática, de forma
extrínseca, moral e mediata.10
Um esposo à altura de Nossa
Senhora
Feitas
essas considerações, lembremo-nos de outro princípio enunciado por São Tomás de
Aquino: “Aqueles que foram eleitos por Deus para alguma coisa, Ele os prepara e
dispõe de modo que sejam idôneos para desempenhar a missão”.11 De fato, desde
toda a eternidade, São José esteve na mente de Deus com a vocação de ser chefe
da Sagrada Família e para tal foi criado. Como diz a Oração do Dia da Santa
Missa desta Solenidade, a ele foram confiadas “as primIcias da Igreja”.12 E
teve sob sua custódia estas primIcias, que foram o Menino Jesus e Nossa Senhora.
Devemos concluir, então, que São José recebeu graças específicas para estar à
altura de sua missão de esposo e guardião de Maria Santíssima, bem como de pai
legal e atribuído de Jesus Cristo, ou seja, pai de Deus.
Modelo de humildade
Entretanto,
o que transparece acerca da personalidade de São José nos Evangelhos? Não
consta que fosse falador, espalhafatoso ou demasiado comunicativo. Pelo
contrário, à semelhança de Maria, José destacava-se pela seriedade, recato e
despretensão. Certamente seguia uma rotina com horas marcadas para todos os
seus deveres e uma aplicação ao trabalho notável pela constância.
Eis um
exemplo do quanto Deus ama essas virtudes e escolhe para as grandes missões os
que as praticam. Para conviver com Jesus e proteger todo o ambiente no qual Ele
habitaria, a fim de realizar a mais alta obra de toda a História da criação, a Providência
preferiu dois, uma dama e um varão, que fossem recolhidos, apagados e
humildes...
São José, patrono da confiança e
da boa morte
São
José é também um impressionante modelo da virtude da confiança. Ele aceitou todas
as incertezas que sua missão acarretava — como constatamos, por exemplo, no
episódio da fuga para o Egito (cf. Mt 2, 14) —, pois é de se supor que, com relação
ao atendimento das necessidades materiais e concretas da vida, a Providência
não interviesse de forma direta, e deixasse essa responsabilidade aos cuidados
dele. Portanto, era ele que tinha de garantir o sustento da Sagrada Família. A
ele se aplica, de maneira especial, a belíssima frase empregada mais tarde por
Nosso Senhor para indicar a razão do prêmio a ser dado aos justos, no fim do
mundo: “tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era peregrino
e me acolhestes; nu e me vestistes” (Mt 25, 35-36).
Do
mesmo modo que Nossa Senhora recebeu a revelação dos padecimentos que o Salvador
deveria sofrer na Terra para operar a Redenção, sem dúvida, também São José teve
noção do que ia acontecer e assumiu todos os dramas e dores de Jesus e de
Maria. Inflamado de amor por Jesus, seu grande desejo era de continuar neste
mundo para proteger sua esposa virginal em todas as circunstâncias. Deus,
porém, resolveu levá-lo antes de Jesus iniciar sua vida pública. Quiçá porque
ele não toleraria presenciar todas as perseguições e tormentos da Paixão, e, enquanto
varão, teria de manifestar seu desacordo com o plano da morte de Cristo e tomar
a defesa d’Ele. Faria isso com tal ímpeto de zelo que talvez impossibilitasse
que a Paixão chegasse a seu termo.
Ao
abandonar esta vida, São José morreu nos braços de seu Divino Filho. Seus olhos
apagaram-se para a contemplação de Deus-Homem no tempo e, abrindo-se para a
eternidade, viram Jesus sorridente, que o deixou no Limbo dos Justos, para ser
colhido no dia em que Ele descerrasse as portas do Céu.
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