EVANGELHO SOLENIDADE DE SÃO JOSÉ —19 DE MARÇO
Mons João Clá Dias
16 Jacó gerou José, o esposo de Maria, da
qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo. 18 A origem de Jesus Cristo foi
assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de
viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19 José, seu
marido, era justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em
segredo. 20 Enquanto José pensava nisso, eis que o Anjo do Senhor apareceu-lhe,
em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria
como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo. 21 Ela dará à
luz um Filho, e tu Lhe darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos
seus pecados”. 24a Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado
(Mt 1, 1 6. 18-2 1 .24a).
Elevado
a alturas inimagináveis...
Esposo de Maria, pai virginal
de Jesus e Patriarca da Igreja. Estes três títulos, glorioso apanágio de São
José, proclamam a grandeza de sua missão e a elevação de dons com os quais sua
alma foi adornada pela Divina Providência.
UM SANTO INSUFICIENTEMENTE
VENERADO
Figura
ímpar, exaltada pela Igreja junto com a de Maria, nunca será suficiente louvar
São José, tal a quantidade de maravilhas e privilégios com que aprouve a Deus
cumulá-lo. Infelizmente este glorioso Patriarca muitas vezes é esquecido, sendo
seu culto menor do que mereceria. Encontramos uma explicação para isso no
desvio ocorrido nos primeiros tempos do Cristianismo com relação à devoção a Nossa
Senhora. Com efeito, os fiéis admiravam tanto a grandeza d’Ela que alguns
chegaram a reverenciá-La como se fosse uma deusa.1
Ensina
São Tomás de Aquino 2 que toda situação intermediária, considerada a partir de
um dos extremos, se parece com o oposto. E foi o que se deu com o culto à
Santíssima Virgem, pois, analisada a partir de nossa condição de criaturas
concebidas no pecado original, Ela parece mais perto de Deus do que de nós. A
Igreja evitou esse erro mantendo certos limites nas demonstrações de piedade mariana.
Só no século IV declarou o dogma da maternidade divina, definindo a
participação relativa de Maria no plano da união hipostática, o mais alto grau de
toda a ordem da criação, e deixou passar longos séculos para, afinal, proclamar
sua Conceição Imaculada. Foi preciso, no início, fixar a adoração a Nosso
Senhor Jesus Cristo para de pois estimular o amor à Mãe de Deus, ao sabor dos
ritmos divinos soprados pelo Espírito Santo. Com relação a São José, não parece
ser outra a razão. Talvez Nosso Senhor tenha querido que certos aspectos desse
varão permanecessem ocultos para impedir que, exageradamente enaltecidos,
viessem a ofuscar a figura de Cristo, pois as atenções deviam estar todas
voltadas para Ele.
Não é
compreensível, entretanto, que sendo Jesus o Homem-Deus, nascido de uma Mãe
Imaculada, colocasse junto a Si, como pai adotivo, uma pessoa apagada, sem
brilho. Portanto, se durante vinte séculos São José permanece escondido e
retirado, é de se esperar que esteja chegando a hora em que a teologia
explicite verdades novas a seu respeito, pelas quais se torne conhecido, com
exatidão e nas suas minúcias, seu papel na Sagrada Família e a categoria de sua
elevação enquanto esposo de Maria, pai de Jesus e Patriarca da Santa Igreja.
“Confirmarei sua realeza”
Na
primeira leitura desta Solenidade, extraída do Segundo Livro de Samuel, a
Igreja aplica a São José e, sobretudo, a Jesus Cristo as palavras dirigidas
pelo Senhor a Davi, pela boca do profeta Natã. Uma vez garantida a estabilidade
de seu trono, Davi tinha grande empenho em edificar um templo para Deus, pois
se sentia insatisfeito pelo fato de possuir para si um bom palácio, quando para
o culto divino e a custódia da Arca da Aliança ainda não existia um recinto à
altura. Por isso, com a bênção divina, ele começou a fazer planos, a reunir
material para as obras e preciosos elementos de ornamentação. Certo dia, o
profeta Natã lhe fez saber que não seria ele quem levantaria a morada para
Deus, mas um de seus filhos: “Assim fala o Senhor: ‘Quando chegar o fim dos
teus dias e repousares com teus pais, então, suscitarei, depois de ti, um filho
teu, e confirmarei a sua realeza. Será ele que construirá uma casa para o meu
nome, e eu firmarei para sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai e
ele será para Mim um filho. Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre
diante de Mim, e teu trono será firme para sempre” (II Sm 7, 5a.12- -14a.16).
Não há
movimento mais forte na alma de um monarca do que o desejo da continuidade de
sua dinastia no governo do reino após sua morte. Sem dúvida, tal era o anelo de
Davi, o qual quiçá nem ousasse formular o pedido, julgando-o atrevido, a ponto
de ofender a Deus. Mas Ele mesmo, tomando a iniciativa, lhe anunciou que iria
estabelecer sua casa e confirmar nela a realeza, significando que não aconteceria
à sua estirpe algo análogo à de Saul, primeiro soberano de Israel, que perdeu a
dignidade real devido a seus múltiplos pecados (cf. I Sm 15, 23).
Ao
analisarmos esta leitura, poderíamos incorrer no erro de concluir que todos os
descendentes de Davi foram perfeitos... A realidade histórica, contudo, demonstra
que houve inúmeras infidelidades. Apesar disso, Deus não depôs do trono sua
linhagem e a manteve até o último elo, Aquele que ligou a estabilidade desse
reino à eternidade, conforme sublinha o Salmo Responsorial: “Eis que a sua
descendência durará eternamente” (Sl 88, 37). José faz parte desta genealogia,
junto com Maria Santíssima, para dar origem a Nosso Senhor Jesus Cristo,
realizando a promessa feita ao Rei-Profeta. A este pensamento, porém, poder-se-ia
alegar o fato de não ser ele o verdadeiro pai de Jesus, já que não prestou
concurso humano para sua concepção.
O vínculo espiritual supera o de
sangue
Ora, a
perenidade de uma descendência não pode estar baseada na consanguinidade, mas,
sim, em algum fundamento divino que a torne eterna, ou seja, na graça. São
Paulo sublima ainda mais esta ideia, na Epístola aos Romanos (4, 13.16-18.22), contemplada
nesta Liturgia, lembrando as palavras de Deus a Abraão: “Eu fiz de ti pai de muitos
povos” (Rm 4, 17a). Abraão é pater
multarum gentium — pai de muitos povos, no respeitante à fé e não à raça.
Existe, portanto, um nível superior ao natural, ao humano, uma família constituída
pela fé e não pelo sangue. Insiste o Apóstolo: “Ele é pai diante de Deus,
porque creu em Deus que vivifica os mortos e faz existir o que antes não
existia. Contra toda a humana esperança, ele firmou-se na esperança e na fé.
Assim, tornou-se pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: ‘Assim será a tua
posteridade’. Esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça” (Rm 4, 17h-18.22).
Em São José, por ser descendente de Davi, se cumprem todas as promessas da
Aliança. Ele é pai de Jesus pela fé herdada de Abraão e por ele levada à
perfeição. O vínculo existente entre ele e o Redentor é uma relação de fé.
A REALIZAÇÃO DA MAIOR MISSÃO DA
HISTÓRIA
Uma posição de humildade e
admiração
6 Jacó gerou José, o esposo de Maria, da
qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo. 8 A origem de Jesus Cristo foi
assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem
juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19 José, seu marido, era
justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo.
A
narração de São Mateus ressalta o acima dito, pois mostra o quanto São José era
íntegro e homem de fé inquebrantável diante das maiores dificuldades. Em sua
alma não cabia nenhuma febricitação, exemplo para um mundo no qual se cultua a
agitação e a trepidação. Com efeito, na vida dos santos tudo transcorre calma e
serenamente, ainda em meio à provação. E quando são atingidos por dramas,
refletem, tomam uma decisão e continuam em frente, sem perder a paz.
José
“era justo”, e quando viu Maria em período de gestação não levantou qualquer
suspeita em relação à pureza d’Ela, pois A conhecia a fundo e “acreditava mais
na castidade de sua esposa do que naquilo que seus olhos viam, mais na graça do
que na natureza”.4 No entanto, amante e cumpridor da Lei — como se reflete em
outros episódios do Evangelho —, via-se ele obrigado a repudiá-La em público ou
em privado, ou a denunciá-La, entregando à morte Aquela de cuja inocência tinha
plena convicção. Poderia, pelo contrário, retê-La consigo, abstendo-se de acusá-La,
e assumir a criança como sua, mas tal opção também não lhe agradava
considerando-se indigno de sucesso tão alto e extraordinário.5 Assim, não
compreendendo o que n’Ela se realizava, logo adotou uma postura de humildade e
de inferioridade: entregou tudo nas mãos de Deus, aceitou a humilhação e
deliberou retirar-se ocultamente, antes que se manifestasse o acontecido, como
a dizer: “Domine non sum dignus”.
Estás à altura!
20 Enquanto José pensava nisso, eis que o
Anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas
medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito
Santo”.
Já
determinado a partir, transido de dor, recebeu de um Anjo a revelação: o fruto
de Maria Santíssima era o próprio Deus feito Homem, e Ela seria Mãe sem deixar
de ser Virgem! Quanto a ele, diferentemente do que pensava, estava, sim, à
altura de sua celestial esposa, tornando-se um dos primeiros a conhecer o
mistério sagrado da Encarnação do Verbo.
Serás pai do Menino
21 “Ela dará à luz um Filho, e tu lhe darás
o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
É
difícil conceber qual foi a consolação e o arrebatamento de São José ao
saber-se ligado a esse mistério e ao ouvir do Anjo o anúncio de que cabia a
ele, por ser o Patriarca e o senhor da casa, dar o nome ao Menino. Da mesma
forma que na geração eterna da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade o nome foi
posto por Deus Pai, ao chamá-Lo de Salvador — pois Jesus significa aquele que
salva —, José Lhe assinalaria também a missão com relação a seu nascimento
temporal, assumindo, por especial concessão divina, um papel humano paralelo ao
do Padre Eterno. A esse propósito, comenta o piedoso padre Isidoro de Isolano:
“E costume que os pais sejam os que tenham autoridade para dar o nome a seus
filhos. E como Jesus era o Filho de Deus, São José fez nisto as vezes do Pai
celeste. Quando os príncipes são batizados — oportunidade na qual os cristãos
dão o nome a seus filhos —, quem, senão outro rei, embaixador ou alto
personagem, costuma fazer as vezes dos pais na atribuição do nome? Pois em
circunstância semelhante ninguém pareceu tão grato ao Pai celeste, tão digno e
tão preclaro, como São José”.6 Deste modo, cumpria-se em plenitude a profecia
de que o Messias seria Filho de Davi, e o seria tanto por parte do pai quanto da
Mãe.7
24a Quando acordou, José fez conforme o
Anjo do Senhor havia mandado.
José,
obediente, recebeu Maria e passou a viver com Ela numa atmosfera de paz e
tranquilidade, na expectativa do nascimento do Menino Jesus, sem, todavia,
comentar nada do ocorrido, pelo enorme respeito que Lhe devotava. Mas sabia que
o esperado pelos profetas, o Emanuel, o Cristo viera morar em sua casa e ele
podia adorá-Lo, desde então, realmente presente no tabernáculo das entranhas
puríssimas de sua virginal esposa.